domingo, 25 de novembro de 2012

Enquanto a minha mãe chora

eu ouço e calo-me. 12 anos atrás, o nosso antigo cão morreu, num dia chuvoso, tal como o de hoje. O que a minha mãe sofreu, só ela sabe. Eu era pequeno, e como tal, pouco me lembro. Hoje, 12 anos depois, a Savana morre. Num dia tão semelhante, em circunstâncias tão semelhantes, que horror. A partir de agora, podem parar de ler, pois o resto será terrível de se ler. Ela começou por ser operada devido a uma infecção no útero, e lá ficou mais leve. Retiraram-lhe o útero e amigos e ainda a operaram a um quisto que tinha na pata, ou braço esquerdo, como lhe chamaram no hospital veterinário. Voltou para casa e começou o processo de recuperação que correu, minimamente, bem. Até que, um dia, começou a ficar extremamente inchada e depois de centenas de tentativas para vomitar, nada se sucedeu. Nada saia e ela, em agonia, tentava. Voltamos a correr para o hospital e lá ficou para ser feita uma lavagem de estômago. O mesmo, tinha começado a dilatar e podia, se não tivéssemos intervido tão rapidamente, torcido e morto a Savana. Esta "doença" é comum e é a maior causa de mortes nos cães. Pode ser causada por muita ingestão de água, excitação depois de comer, ingerir alimentos impróprios para cães, etc. Quando voltou para casa, vinha esqueléticas e começou um novo processo de recuperação e de engordar. Tudo bem, até que, infelizmente, fez outra crise. Voltamos a tempo para ser feita a lavagem e sem ser precisa a operação. E, desta segunda vez, veio para casa com o aviso de que se houvesse uma terceira vez, well, a faca teria que ser utilizada. Veio para casa e, desta vez, a recuperação foi um sucesso. O peso começou a voltar e a Savana ganhou espírito e vida outra vez. A única cousa que lhe faltava, era o lugar do quisto ficar sarado. Fomos quinta-feira ao hospital e saímos de lá com um "então adeus Savana! até um dia e porta-te bem!". Ora, era um adeus. Felizes da vida que tudo estava tratado, continuamos a ajuda-la na recuperação. Até que, ontem, teve outro ataque. Começou por volta das 22 a  vomitar, mas sem inchar. Ou seja, era má disposição porque o estômago não dilatou. Mas chorava, lágrimas e gania. Vomitou a casa toda (que por sinal, ainda há muita cousa a limpar que não conseguimos ontem) e nada mais podíamos fazer senão tentar acalma-la e dar-lhe os comprimidos. Até que, por volta das 23:30 começou a inchar um bocado, mas era um inchaço pequeno como que "esforço por vomitar" e não fizemos nada mais senão dar tempo ao tempo. Vómitos pararam de sair pela boca, e tudo começou a sair pelo nariz. Era um bebé a precisar de se assoar, mais literalmente explicando. Era ranho por todo o lado, porque ela só se sacudia na esperança de tirar tudo. O que, achamos normal porque até às pessoas acontece. Os canais estão ligados. Ou seja, até aqui, era só a aflição de a acalmar. 00:30 e ela estava mais calma. Mas estas duas horas e meia foram horríveis. Aqui em casa, só discutíamos, só gritávamos uns com os outros, só corríamos pela casa a limpar e a ajudar a cadela, uma aflição. Nada mais posso dizer. Até que ela, finalmente, se deitou e começou a descansar. Estava inchada mas não era o inchaço de "dilatação"! Deixamos ela descansar. Eu deitei-me perto das 2 e a minha mãe ficou a fazer serão até às 4. As 6 da manha, o meu pai acordou e ela estava, deitada entre a minha mãe e a minha irmã (que dormiram juntas) morta. Foi morrer onde sempre se sentiu confortável: entre as duas pessoas que ela adoptou como "mães". A minha irmã não aguentou e telefonou para alguém e saiu de casa antes das 7, ainda não voltou. O meu pai, sem sentimento qualquer a demonstrar, ficou na sua. E eu, como sempre, pilar desta família, tratei de carregar os choros, os soluços e as dores da minha mãe. Despedi-me da cadela, que já tinha sido posta no sofá. Tratei de tudo, telefonou-se para o hospital e saímos de casa. Carreguei com a cadela no colo até ao carro e do carro para o instituto. Recusei-me a pousa-la fosse onde fosse e foi comigo, no meu colo. Deixámos-la para ser cremada e viemos embora. O que a minha mãe chorou no hospital, só eu sei. As lágrimas que a médica, que a conheceu, reteu, só eu sei (ela tinha perdido uma cadela, também, recentemente, da mesma família que a minha). Nada mais pude fazer senão por o meu sentimento de parte e estar apto para apoiar a minha mãe, a minha irmã, a médica, a minha outra cadela. Até agora, só eu sei as dores de garganta que tenho por tanto segurar tudo o que tem para sair. Só eu sei o quão me apetece, como todos, de chorar e gritar. De tê-la de volta e de a chatear a todo o momento. Vontade de a mimar como sempre a mimei. De rebolar no chão. De saltar com ela. De apanhar chuva com ela. De tudo com ela.

Ao menos, antes de me deitar, fui ter com ela e senti que ela estava fria e demasiado calma. Eu sabia o que estava para vir, confesso. Cheguei-me ao pé dela e aqueci-aa com o meu corpo, como sempre fiz quando ela tinha frio. Dei-lhe um beijo e sussurrei-lhe: dorme amor. dorme e descansa. desde que vás a dormir e sem dor, vai. dorme bem.

Não chores agora Alexandre, agora não. 

8 comentários:

Carla Valongo disse...

Lamento, Alexandre.

asemnome disse...

Li tudo e também fiz um esforço por não chorar, confesso! Infelizmente também já passei por várias situações deste género! O meu primeiro cão, nasceu quase ao mesmo tempo que eu e aguentou uns 14/15 anos, era o Lapuço e era quase como se fôssemos irmãos, ele roubava-me as chupetas e eu roubava-lhas de volta. Quando ele estava para morrer de vez em quando via-me triste e davam-lhe uma espécie de ataques de juventude, punha-se a correr ao meu lado mas pouco aguentava. Morreu e foi como se uma parte de mim tivesse ido com ele. No final do meu 11º ano, há cerca de 3 anos eu andava bastante deprimida e a minha mãe achou que oferecer-me um cachorro bebé me ia animar e animou de facto, eu era quase mãe dele, acordava a meio da noite para lhe dar leitinho com o conta gotas e tudo, protegia-o mais do que tudo e um dia em 2 segundos de distracção ele caiu e rebentou por dentro, assim que o vi a gemer fui a correr a chorar para a minha mãe que me levou logo para o carro para irmos ao veterinário e tive que dar autorização para o abate dele e digo-te, nunca uma decisão me custou tanto na vida, porque eu era praticamente mãe dele! :'( Percebo a tua dor e da vossa família, percebo até a raiva que possas sentir pela falta de demonstração de sentimentos do teu pai porque o meu é assim também.
Os próximos tempos vão ser difíceis mas sei que vais ter força para ultrapassar isto!
Desculpa ser um comentário tão grande, mas é só para saberes que não estás sozinho e se precisares de falar eu estou aqui e compreendo a tua dor!
Beijinho grande e muita força!*

Anónimo disse...

Lamento pelo cão e também pelo teu português.

Daniela disse...

triste a pessoa que fez o comentário anterior. triste a atitude perante alguém que perdeu algo tão valioso na sua vida e cuja principal atenção, neste momento, talvez não seja o português. viva a coragem a a falta de tomatinhos para mostrar a cara, caro anónimo :)
enfim a essas pessoas demasiado tristes por natureza.. lamento Alexandre. lamento mesmo. perder parte de nós acaba por ser demasiado doloroso.. e por mais que falem contigo, que te queiram 'puxar para cima', a dor não parte. atenua-se com o tempo.. mas não vai. cada um vive a dor da perda à sua maneira, é impossível chegarmos ao que sentes neste momento. mas lembra-te que não estás sozinho. fora as pessoas da blogosfera, que tenho a certeza que vão se sentir tocadas pelas tuas palavras, pelo que sucedeu, a tua família e os teus amigos certamente vão tentar amenizar a dor e estar lá para ti. acho bem tomares a atitude de ser forte.. but you're only human.
se algum dia precisares de simplesmente falar, está à vontade. certamente outros bloggers sentiram o mesmo.
dói agora, dói muito.. mas acredita que vai doer menos. vai chegar o dia em que a dor estará só agarrada à ausência e as boas memórias serão ainda mais fortes que nunca.
a dor atenua-se, Alexandre. tu e a tua família vão conseguir preencher a ausência com boas memórias, juntos. vais ver que vai acabar por correr tudo bem**

Carla Valongo disse...

bem, desde que o concerto tenha sido bom é na maior, já sabes xD

Daniela disse...

não precisas de agradecer :) com o tempo.. vai-se atenuar mais rápido do que esperas, vais ver. sai com amigos, diverte-te, espairece essa cabeça. sê parvo e vai passear por aí, vais ver que te vai saber bem :) *

M. disse...

obrigada meu amor!
espero que saibas que podes contar comigo AINDA, apesar da distância, se precisares de algo cá estarei. espero que esteja tudo melhor <3

disse...

oh alex, o maior abraço do mundo.